O pediatra José Martins Filho, autor de "A Criança Terceirizada", avalia os prejuízos causados pela ausência dos pais nos cuidados com os filhos
Para alguns são monstrinhos: superativos, mal-educados, incapazes de lidar com frustrações e cheios de caprichos. Para outros, uma legião de pequenos emocionalmente desamparados que, mesmo longe das ruas, sofrem um abandono silencioso dentro de casa. Cabe aos pais evitar esse erro.
 O pediatra José Martins Filho
 viu passar por seu consultório uma verdadeira revolução social nessas 
últimas décadas. Embora faça questão de acentuar seu apoio às conquistas
 femininas, ele tem saudades do tempo em que as crianças iam às 
consultas levadas pelas mães. "Hoje, é comum receber bebês acompanhados 
apenas da empregada", lamenta. O fenômeno é tema de seu livro A Criança Terceirizada
 (Ed. Papirus), no qual ele avalia os prejuízos causados pela ausência 
dos pais nos cuidados com os filhos. Avô duas vezes, Martins lecionou 
por 35 anos na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde 
atualmente é pesquisador do Centro de Investigação em Pediatria. Já nos 
anos 1980, foi pioneiro no incentivo ao aleitamento materno no país, 
numa época em que as mamadeiras imperavam, e é dono de uma vasta 
produção científica, que inclui nove livros publicados.
1 - Qual é o futuro das crianças terceirizadas? É possível educar quando se tem pouco contato?
José Martins Filho: Não. Tanto que muitos pais ausentes são 
dominados pelos filhos de 2 ou 3 anos. Sentem uma culpa enorme pela 
ausência e, quando ficam junto da criança, tentam compensá-la dizendo 
sim a tudo. Também é freqüente o que eu chamo de estilo "geléia com 
pimenta". Os pais são permissivos e os pequenos começam a testar os 
limites. Como não há regras claras, eles extrapolam até o adulto perder o
 controle e mostrar seu lado pimenta. Aí, os pais explodem, gritam, 
ameaçam, partem para o castigo físico. Depois se arrependem e voltam à 
forma doce e mole. Essa gangorra emocional é sempre terrível e favorece a
 formação de adultos que se julgam onipotentes. Outro efeito negativo da
 terceirização diz respeito à colocação de limites. Avós, babás, 
professores, empregadas podem cuidar, mas eles não têm plena autoridade 
e, muitas vezes, seus valores não coincidem com os da família. Pais que 
amam impõem limites e ensinam a respeitar os outros desde cedo.
2 - Seu livro fala do abandono que pode acontecer dentro de casa, com crianças que aparentemente têm todos os recursos para se desenvolver bem.
José Martins Filho: De fato. É um tipo de abandono silencioso, 
que não sai nos jornais, mas acontece todos os dias. Um pediatra 
experiente percebe os sinais: os bebês se machucam e adoecem com 
freqüência, vão ao consultório com empregados... Outro indício são os 
pais que reclamam muito da criança e demonstram total impaciência. 
Alguns chegam a dizer que o bebê é um "chato". O problema não é o filho.
 São os pais, que não estão sabendo corresponder ao seu papel. Agem como
 se fosse possível ligar o botão da paternidade pela manhã, brincar um 
pouquinho, fazer um bilu-bilu e desligar. Mas não é assim. Criança pede 
atenção, chora, fica doente, exige e, sobretudo, precisa de afeto para 
se desenvolver. Quem decide ter um filho deve lembrar que, por algum 
tempo, não vai dar para cair na balada, esticar o chope com os amigos ou
 fazer hora extra todos os dias.
 3 - Existe uma ideia "romantizada" sobre ter filhos?
José Martins Filho: Parece que sim. Além disso, falta encarar o 
fato de que nem todos nascem para ser pais. A sociedade precisa romper o
 tabu que faz os casais se sentirem na obrigação de ter um bebê. É 
melhor não ter filhos do que não se dedicar a eles com carinho e 
maturidade.
4 - Toda ajuda de terceiros é prejudicial?
José Martins Filho: Pelo contrário. O apoio de profissionais e 
pessoas da família é bem-vindo e necessário, especialmente quando se tem
 um bebê em casa. O que não deve acontecer é a substituição da mãe por 
babás e outros profissionais. Já vi muitas mulheres que, mesmo no seu 
tempo livre, delegam os filhos a outras pessoas. Não é de espantar que, 
quando sofrem uma queda ou têm um pesadelo, essas crianças vão buscar 
conforto no colo da babá e não no da mãe.
5 - Isso deve causar ciúmes nas mães e confusão para as crianças, não?
José Martins Filho: Sim. Quando se dão conta da profundidade do 
vínculo que o bebê estabeleceu com a babá, muitas mulheres até despedem a
 profissional. Conheço crianças que, em dois anos, já tiveram de 
estabelecer ligações com cinco cuidadoras diferentes... A mãe biológica 
fica enciumada e substitui as babás. É uma violência com o bebê. Não dá 
para ignorar que ser mãe implica doar tempo à criança, participar de sua
 vida, confortar nos momentos difíceis...
6 - Muitas mulheres passam a maior parte do tempo fora porque trabalham e seu salário é fundamental para sustentar a casa. Por que a responsabilidade com os bebês recai principalmente sobre os ombros femininos?
José Martins Filho: Não quero colocar a culpa nas mulheres, mas 
não dá para ignorar a importância da mãe nos primeiros anos. Para 
Winnicott (Donald Woods Winnicott, 1896-1971, famoso pediatra e 
psicanalista inglês), a capacidade de ser feliz de um ser humano pode 
depender de apenas uma pessoa e de um tempo. A pessoa é a mãe. O tempo é
 a infância - em especial, o primeiro ano. Nos primeiros três meses, o 
pai é importante, mas o bebê necessita da segurança e da proximidade da 
mãe. Só a partir dos 6 meses, ele começa a se relacionar com os outros. 
Sou um defensor dos direitos femininos e acho que está na hora de 
repensar a questão da maternidade como um direito a ser conquistado.
7 - O direito a acompanhar de perto o crescimento e a educação dos filhos, então, seria uma bandeira em tempos de pós-feminismo?
José Martins Filho: (risos) Exatamente. Cabe à sociedade encontrar formas de garantir esse direito sem obrigar as mães a abrir mão dos seus outros papéis. Isso é fundamental para termos gerações de crianças mais felizes e bem-educadas no futuro.
8 - Oficialmente, a licença-maternidade no Brasil ainda é de quatro meses... Como preservar o vínculo com o bebê na volta ao trabalho?
José Martins Filho: Aconselho a mãe a usar todos os seus direitos
 para ficar o maior tempo possível com o filho. Ela pode, por exemplo, 
unir a licença-maternidade a um mês de férias, solicitar os 15 dias 
adicionais de licença-amamentação e, na volta ao trabalho, negociar com o
 empregador um horário mais flexível ou até a possibilidade de levar o 
bebê junto, em um carrinho ou uma cesta, onde ele fique confortável e 
próximo. Profissionais liberais sempre têm a alternativa de planejar 
melhor a agenda e diminuir a carga de trabalho nos primeiros meses. Já 
vi muitas médicas e advogadas que vão trabalhar levando o filho. Nem 
sempre é fácil, mas vale a pena tentar.
9 - Por que está cada vez mais difícil o estabelecimento dos vínculos familiares?
José Martins Filho: Os costumes mudaram rapidamente e a sociedade
 atual privilegia o individualismo. Do antigo convívio em volta do 
rádio, as famílias passaram a se organizar ao redor da TV, todos 
voltados para a tela. Com o computador, as relações familiares se 
despersonalizam ainda mais. Conheço pais que falam com os filhos por 
e-mail, estando na mesma casa. A tecnologia e os seus avanços são 
ótimos, mas não devem substituir o contato pessoal. A supervalorização 
do consumo, do poder econômico e da fama sem mérito são outras 
distorções. A mulher é pressionada a ter como prioridade manter-se sexy,
 bonita e malhada. Com esses valores, por que alguém se sentiria 
estimulado a doar tempo de sua vida a uma criança? Outro dia, no 
consultório, uma mãe começou a se queixar das suas obrigações 
econômicas. "Preciso ganhar dinheiro para manter dois carros e os 
celulares. Tem o meu e o do meu filho. E as contas são altas!", ela 
dizia. Não sei se consegui, mas procurei abrir os olhos dessa mãe. Será 
que vale a pena trocar mais tempo com o filho por um celular? Garanto 
que o menino precisa mais da presença dela do que de um telefone... 
Crianças amadas e educadas com a presença sólida dos pais certamente têm
 mais chances de se tornarem adultos felizes e realizados no futuro.
10 - Preenchendo as ausências.
José Martins Filho: Se os pais passam cada vez mais tempo longe 
dos filhos, quem os educa? Para os canadenses Gordon Neufeld, psicólogo 
especializado em desenvolvimento infantil, e o médico Gabor Maté, a 
influência de colegas, ícones jovens e primos vem se tornando mais 
determinante na formação dos pequenos do que os modelos fornecidos pelos
 adultos. É o que os especialistas chamam de "educação por pares" - 
fenômeno que enfraquece a família. Segundo os autores, uma criança só 
procura as referências dos pais se uma forte ligação entre eles foi 
estabelecida. "Para uma criança se mostrar disposta a ser educada por um
 adulto, é preciso que ela tenha um vínculo com ele, queira manter 
contato e se tornar próxima", destacam os especialistas em seu livro 
Pais Ocupados, Filhos Distantes - Investindo no Relacionamento 
(Melhoramentos). Se tudo corre bem, essa proximidade emocional com o 
bebê se transformará em intimidade psicológica ao longo dos anos. Mas é 
preciso cultivá-la.
- Deixe fotos e lembranças que evoquem momentos felizes de convivência 
estrategicamente colocadas em quarto, sala, próximas do computador.
- Escreva bilhetinhos-surpresa reafirmando seu amor. Ponha-os no lanche,
 no meio do caderno, debaixo do travesseiro.
- Coloque no berço do bebê uma peça de roupa com o seu cheiro.
- Se viajar, mostre mapas e fotos de onde vai estar e ligue todo dia.
Fonte: Texto de Cristiane Ballerini - Revista Educar para Crescer
Vamos fazer um mundo melhor para nossas crianças!
O FUTURO DEPENDE DO HOJE!!!
Postado por Cláudia 



Nenhum comentário:
Postar um comentário