Este é um dos temas sobre os quais os jornalistas e leitores habituais mais nos interrogam. O livro vai acabar, as editoras vão fechar, é a morte dos autores? Primeiro, os catastrofistas de plantão são em geral mal informados. Quando surgiu o rádio, dizia-se, nesse mesmo tom, que ninguém mais iria conversar nas famílias. Vindo a televisão, estavam mortos o teatro e o rádio. Chegando a Internet, tudo estava acabado, menos o isolamento, a alienação.
Nada mudou radicalmente dentro desse esquema: não se deixou de conversar (as pessoas nunca se comunicaram tanto quanto na Internet), não se deixou de ir ao teatro (bons espetáculos atraem muita gente), ninguém parou de ir ao cinema (a não ser por medo de sair à noite, pela insegurança que se alastra), enfim, cada novo invento acrescentou, não tirou.
Li um diálogo interessante, dirigido por um jornalista, entre Umberto Eco e um roteirista francês, sobre o assunto. Os dois são donos de imensas bibliotecas, de muitas dezenas de milhares de volumes. Portanto, são amantes de livro, vivem com e para o livro.
Interessantes comentários: o registro escrito, seja em papel, pergaminho, nas antiquíssimas tabuinhas de argila,é o mais sólido, é permanente. O e-book, o livro eletrônico, que tem suas vantagens como todo artefato moderno, tem desvantagens claras de saída. Por exemplo, dependeremos de mais decodificadores, suportes, seja como for: já não conseguimos ver os antigos vídeos de poucos anos atrás, a não ser que ainda tenhamos em casa aquele aparelho já superado onde os enfiar. Logo os CDs serão esquecidos,os DVDs serão antiquados, e teremos de modificar, a cada nova invenção, a nossa biblioteca eletrônica. Sem falar na saúde dos olhos, atacados pelo tipo de luminosidade, modo de leitura, do texto na página de um e-book.
Outro assunto que me fascinou liga-se à bela palavra "palimpsesto". Para quem não sabe, é a escrita sobre outra escrita. Encontram-se, em bibliotecas monumentais como a do Congresso americano, raridades em forma de tabuinhas, argila, pergaminho, couro, e mesmo papel, em que trechos ou palavras foram raspados e outros escritos em seu lugar, ou simplesmente por cima. Revelados, abrem-nos facetas incríveis da antiga cultura, pessoas, modos de vida. São camadas de civilização, que fascinam exércitos de cuidadores e estudiosos. No e-book teremos apenas o reles imediato. Prático, sim: não definitivo nem profundo.
Naturalmente dirão que sou viciada no livro de papel: direi que, sim, o cheiro de livro, de biblioteca ou de livraria é mágico para quem como eu foi criada nesse meio, ligada a esse instrumento de prazer, informação e crescimento pessoal, de integração no mundo, sem fronteiras de espaço e tempo. Isso pode entediar a novíssima geração, para quem a tela do computador é mais fascinante do que a lombada de um livro: e por que não? Tudo é legítimo e vale a pena, desde que não corrompa nem emburreça nem empobreça demais.
Eu direi que as duas coisas podem e vão conviver, como rádio e família, televisão e teatro, Internet e outros meios de comunicação. Tudo está aí para nos servir, se não formos incompetentes demais. O resto, as discussões sobre o fim do livro e a morte das editoras, quem sabe dos escritores, me parece tolo, material de intermináveis diálogos e discussões vazias, artigos sem fundamento, entrevistas sem grande interesse.
E se o livro eletrônico vencer, se conseguirmos afinal um meio permanente, que permita ler anos a fio em todos os lugares do mundo, preservar com segurança, e transmitir velhíssimos recados ocultos, vamos continuar lendo, escrevendo, editando. A forma importa pouco: importam o prazer, a comunicação, o estudo, a pesquisa, a aventura através do tempo, do espaço, das culturas e das mentes, que a palavra desperta em quem sabe perceber ali uma janela, que se abre de par em par, passando para o outro lado, e se entregando. Então já não rasteja, mas voa. Já não se encolhe, mas se desdobra, e intensamente vive.
Fonte: Revista Veja; Edição 2182; 15 de setembro de 2010
Postado por Cláudia
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